165º Poema da Semana | 15mar2016

Uma branca sombra pálida

(…) Gina tinha essa mesma postura altiva de bailarina se preparando para entrar no palco, a cabeça pequena, a testa pura. Artificial, sim, dissimulada mas querendo parecer natural, as bailarinas são dissimuladas como os próprios seios aplacados sob o corpete. Os gatos dissimulam feito as bailarinas, andou por casa uma gatinha de telhado que Gina encontrou na esquina, apaixonou-se pela gatinha, Filomena! Filô, Filô! E a gatinha vinha correndo e berrando com aquele rabo aceso, uma antena. Diante do pires de leite, a dissimulação: olhava para um lado, para o outro, desinteressada. Fingindo não estar com o menor apetite. Quando ficou no cio, desapareceu. E Gina aos prantos, chamando em vão, todos os dias deixava no jardim o leite, a carne. Estava no cio, queria um gato, eu avisei e Gina baixou aqueles olhos de um azul inocente. Não, mãezinha, ela ia ser freira. Cheguei a rir, uma gata freira? Mas Gina não estava fazendo graça, estava séria enquanto guardava na sacola as suas sapatilhas, resolvera entrar para uma escola de bailado clássico. Foi por essa época que conheceu Oriana, a dos dedinhos. Começou então a se interessar por letras. Letras, Gina? (…)

*Lygia Fagundes Telles_1923-_A noite escura e mais eu_1995