46º Poema da Semana | 23jan2013

O pintor

no cemitério uma das funções capitais
é a do pintor de sarjetas, dessas brancas que bordam
vias antigas ruas esburacadas de cidade do interior. sem ele
a comunidade teria ares abandonados de fim de festa. sem ele
os vivos se perderiam nas melancólicas cogitações da paisagem.
o pintor habilmente os manipula. os desloca. os consola
como artista zeloso dá pompa à circunstância construindo
metro por metro ao longo da calçada metonímias de que a vida continua.
nos ameaça (contempladores passivos) com seu rosto severo
ao mesmo tempo que nos perdoa por estarmos vivos.
como um poeta em suma mal pago.
ou por graça.

*Marcos Siscar_1964_Interior Via Satélite_2010