58º Poema da Semana | 23abr2013

IV – Os canários

Os canários mortos
voando na sala,
através do tempo,
das coisas, de mim.

Há pouco (vinte anos)
jaziam no fundo
da gaiola: cochos
vazios de água e alpiste.

Mas como lembrar
dessa sede e fome
ao som e ao vento
de festa e viagem?

Nada a fazer,
no escuro retorno,
a não ser cobri-los,
no quintal, de terra.

Mas eles ressurgem,
brotam como milho,
saltam das espigas
e bebem em meus olhos

e comem em meu peito,
enfim saciados:
nada falta no
festim do remorso.

*Ruy Espinheira Filho_1942-_As Sombras Luminosas_1981